Enquanto os mercados desenvolvidos pisam no freio em meio à volatilidade econômica global, os países emergentes aceleram — e surpreendem. No primeiro semestre de 2025, essas economias emitiram mais de US$ 190 bilhões em títulos de dívida, quebrando recordes históricos e enviando uma mensagem clara ao sistema financeiro global: o Sul Global está jogando em outro tabuleiro.
A nova cara da dívida emergente
De acordo com dados de mercado, o volume de títulos emitidos por economias em desenvolvimento não apenas superou expectativas — ele redefiniu o padrão. Com destaque absoluto para o Oriente Médio, a Arábia Saudita liderou a emissão em escala e sofisticação, atraindo investidores de várias partes do mundo, não apenas com o “petrodólar”, mas com um reposicionamento estratégico multimoeda.
Essa movimentação acendeu alertas — e expectativas — sobre uma tendência que até pouco tempo era tratada com ceticismo: a desdolarização real das finanças internacionais.
Desdolarização: de discurso político a movimento prático
Durante anos, a ideia de reduzir a dependência do dólar americano nas transações internacionais era vista como um idealismo geopolítico. Mas agora, com países como a China, Índia, Brasil e Arábia Saudita emissão de dívida em moedas alternativas, essa teoria começa a se materializar.
O que está acontecendo na prática?
- Crescente emissão de títulos em moedas como yuan, euro e até rúpia indiana
- Acordos bilaterais entre países emergentes para transações comerciais em moedas locais
- Fundos soberanos diversificando suas reservas com menos dólar e mais ouro, criptomoedas e SDRs do FMI
O que está por trás dessa mudança?
- Instabilidade do dólar: Com os EUA enfrentando eleições conturbadas, disputas comerciais e uma política fiscal oscilante, o dólar deixa de ser “porto seguro absoluto”.
- Integração Sul-Sul: Iniciativas como o BRICS+ e novas rotas comerciais estão fortalecendo blocos alternativos, com foco em autonomia monetária.
- Busca por soberania financeira: Países emergentes já não aceitam mais depender da maré da política monetária dos EUA. Eles querem emitir, negociar e atrair capital com mais independência.
O apetite dos investidores internacionais
A grande surpresa não foi apenas a emissão em si, mas a demanda explosiva dos investidores.
Fundos de pensão, gestoras de ativos e até bancos centrais buscaram esses títulos em busca de retorno acima da média, mas também para se proteger da inflação em mercados maduros e da possível instabilidade do dólar a médio prazo.
Segundo analistas do JPMorgan e do BIS (Banco de Compensações Internacionais), “o risco está migrando. E os emergentes hoje oferecem mais previsibilidade fiscal do que muitos países desenvolvidos.”
O que esperar do segundo semestre?
A tendência é que esse movimento se intensifique. Espera-se:
- Maior participação da África e Sudeste Asiático nesse ciclo de emissões
- Consolidação de hubs financeiros fora de Nova York e Londres, como Dubai e Xangai
- Expansão de plataformas de negociação multilaterais com foco em moedas não-ocidentais
Além disso, analistas acreditam que o FMI e o BIS terão que rever suas métricas e políticas frente a essa nova arquitetura monetária em ascensão.
Conclusão: estamos testemunhando o início de uma nova ordem financeira?
Talvez ainda seja cedo para cravar o fim do domínio do dólar. Mas ignorar os sinais da desdolarização silenciosa pode custar caro. O fato é: países emergentes não estão mais à margem — estão no centro do jogo. Emitindo, atraindo capital e moldando o futuro da economia global com cada título vendido.
A dívida, antes símbolo de fragilidade, agora vira ferramenta de poder.